Bruno Gagliasso, uma das unanimidades da série “Dupla identidade”, que chega ao fim nesta sexta-feira, 19, não era tão certo assim para o papel na cabeça da autora Glória Perez. Nada contra o talento do ator, que já encarnou vários personagens em suas tramas, mas Glória tinha dúvidas se Bruno, considerado jovem demais por ela no início, seria a escolha certa para viver o serial killer Edu. “Ainda bem que ele não me escutou e bateu o pé para fazer o teste”, conta ela ao EGO.

Na reta final da da série, Glória faz um balanço do trabalho e analisa alguns casos de assassinos brasileiros recentes – como o de Saílson José das Graças, suspeito de mais de 40 mortes na Baixada Fluminense, e de Tiago Henrique Gomes da Rocha, que admitiu ter cometido 29 homicídios em Goiânia. “Acho que a série serve para lembrar que serial killers não são personagens inventados pelos seriados americanos. Eles pertencem ao mundo real, e estão por aí”, alerta ela, que ainda não garante a segunda temporada da série – sucesso de público e crítica -, mas que termina o trabalho com a sensação de dever cumprido. Confira mais

Como surgiu a ideia de escrever sobre psicopatas?

Trabalhando no projeto de “Caminho das Índias”, onde abordei a esquizofrenia, fui a muitas clínicas conversar com os doentes mentais, e todos eles se ressentiam muito, porque os psicopatas que cometiam crimes cruéis eram taxados de “loucos” pela imprensa – o que aumentava ainda mais o preconceito sofrido por eles, doentes mentais. Então eu criei uma personagem, a psicopata, a Yvone (vivida por Letícia Sabatella), para que ficasse bem sublinhada a diferença entre psicopatia e loucura. Yvone não estava inicialmente no projeto, foi criada para atendê-los.

Foi mais fácil ou mais difícil não cair em clichês relacionados aos assuntos? Tipo colocar um homem bem apessoado, que fale bem e que seja bem relacionado, por exemplo?

Serial killers têm características em comum, não há como fugir disso. É como escrever sobre cowboys – a diferença estará na trama. Serial killers organizados são sempre insuspeitos,

constroem uma máscara de normalidade que permite que convivam socialmente, numa vida paralela que em nada remete ao vício de matar. Ninguém se choca mais, quando são descobertos, do que as pessoas mais próximas – seus pais, colegas de trabalho, filhos, esposas, namoradas. São ritualísticos, guardam troféus, souvenirs de cada crime cometido, recortes de jornais que falam deles. Planejam minuciosamente cada ataque, elaboram uma “assinatura” para seus crimes e desafiam a polícia ao jogo de gato e rato. Gostam da overdose de adrenalina, precisam dela. Da mesma forma, os caçadores de mentes, representados na série pela personagem Vera (Luana Piovani), tem uma única maneira de trabalhar: é uma caçada no escuro, tentando decifrar, através da “assinatura” deixada pelo serial killer, se tem QI alto ou baixo, a que classe social pertence, qual é sua profissão, etc etc. Nada disso é clichê – é vida real.

Bruno Gagliasso foi sua opção desde o primeiro momento?

Sim, mas depois tive dúvidas. Comecei a achar que era muito jovem, mesmo não conseguindo deixar de pensar nele – sei do que o Bruno é capaz. Ainda bem que ele não me escutou e bateu o pé para fazer o teste. Fez e trouxe o Edu prontinho: era ele, não dava pra imaginar mais ninguém naquele papel.

Que viés interpretativo dele te surpreendeu e deu mais vida ao personagem?

Bruno é um ator extraordinário, se entrega totalmente ao personagem, veste a pele alheia sem nenhuma critica, sem nenhum pudor. Lembro que mandei pra ele uma porção de olhos de grandes felinos no instante do bote: porque é assim que o serial killer enxerga suas vítimas, como uma presa, totalmente destituída de humanidade. Bruno incorporou aquele olhar, e transitava da fera ao anjo com uma naturalidade incrível.

O que tem ouvido nas ruas ou nas redes sociais sobre a série? Em geral, parece crível para as pessoas?

A repercussão é imensa. Onde vou, todos falam da série com entusiasmo.

Está acompanhando o caso do suposto serial killer Saílson José das Graças, da Baixada Fluminense? O que acha do caso? Acha que o fato da minissérie estar no ar pode influenciar as pessoas a pensarem que "todo" assassino é psicopata?

A série não vende essa ideia. Até porque Edu é um serial killer, alguém que mata por prazer, que é viciado no ato de matar, da mesma forma que alguém pode se viciar em bebida ou em drogas. Psicopatas não são necessariamente assassinos, aliás, a grande maioria não é.

E o caso do assassino de mulheres de Goiás, acha que ele teria um perfil mais próximo ao de um Edu?

Não. Ele é bonito, Edu é bonito: pelo que li nos jornais, as semelhanças param por aí. Edu é culto, eloquente, e está inserido nas esferas mais altas da vida social. Temos muitos serial killers no Brasil, mas ainda não pegamos nenhum com o perfil Ted Bundy (famoso serial killer americano da década de 1970). Não temos uma investigação que dê conta disso. Pelo que pude perceber, os serial killers presos no Brasil pertencem mais ao tipo “desorganizado”. Os organizados são mais difíceis de detectar, exigem uma investigação mais sofisticada.

Acha que "Dupla identidade" serve de alerta para as pessoas prestarem mais atenção de como o perigo pode estar perto?

Acho que serve para lembrar que serial killers não são personagens inventados pelos seriados americanos. Eles pertencem ao mundo real, e estão por aí.

Está confirmada a segunda temporada da série? Você vai escrever ou apenas supervisionar?

A segunda temporada sempre foi a ideia, mas tudo isso ainda precisa ser definido.

Qual a sensação ao ver o trabalho finalizado nesta sexta-feira?

Faz muito tempo que eu queria trazer o gênero para a TV aberta, e não calculei errado: “Dupla identidade” agradou o público que gosta do gênero, conquistou uma parcela que ainda não o conhecia e abriu caminho para que outras histórias sobre esse universo venham a ser contadas. Fica uma sensação boa, de missão cumprida!*Ego.